sábado, 28 de maio de 2011



Os Provos Holandeses e a Contracultura


Amsterdam é conhecida por sua reputação de sociedade libertária, tolerante e livre. Seguramente pode-se dizer que a pratica corresponde de fato à reputação.
Amsterdam é uma cidade que acolhe, recebe e abriga uma sociedade multicultural sem fazer distinção. Trata de questões tabu abertamente sem empurrar a sujeira pra baixo do tapete. O “Centro Mágico”.
No decorrer dos séculos Amsterdam foi refúgio de muitos: Huguenots fugidos da França, Dissenters Ingleses, judeus fugidos da península Ibérica, filósofos, artistas e cientistas fugidos de todas as partes da Europa. Foi “uma cidade pouco bondosa com os representantes das intolerâncias” (o poder da monarquia e do clero).
Pode-se dizer que Amsterdam foi a primeira zona liberada do planeta. Laboratório de experimentações sociais e políticas. O primeiro lugar em que poesia, música pop e drogas embalaram um movimento contra cultural de proporções enormes. Onde a possibilidade de uma vida criativa e não enquadrada se fez possível, apontando para um futuro possível com outras opções de vida.
Mais foi nos anos sessenta que o espírito inquieto e rebelde da cidade toma corpo através de um grupo que revolucionou e agitou os costumes e alicerces da sociedade de então deixando marcas profundas na cultura local e lançando sementes que iriam florescer pelo mundo afora.
Eles contribuíram muito para o que hoje é Amsterdam.
Tudo isso antes de Maio de 68, antes de Swinging London, antes de Haight-Ashbury.

Tudo isso graças aos PROVOS.

PROVOS está para a sociedade de Amsterdam assim como os jovens de Maio de 68 estavam para a sociedade de Paris, porém sem a intelectualização destes. Aliás a turma dos franceses foi se inspirar com os garotos provos um ano antes do agito de Maio68 em Paris.
Os Provos Fazem parte de um período da história (começos dos anos 60) em que subverter era a ordem. Um contexto fértil devido a instabilidade daqueles novos tempos, o capitalismo imperante gerando seus frutos através do consumo e a ameaça da bomba atômica pairando no ar.
Os Provos foram um conjunto de ações e indivíduos de naturezas diferentes: artistas, magos, desempregados, anarquistas, estudantes, desocupados.
A rebeldia foi o traço marcante em comum a todos eles. A imaginação foi sua única arma, eles nunca foram partido nem movimento. Tinham horror a qualquer espécie de organização, hierarquia, sistema ou ideologia. Agiam no momento presente, de dentro da sociedade em que viviam sem a intenção de fugir (como a cultura beat por exemplo) na tentativa de causar um choque nas suas estruturas, comprometer seus alicerces. Foram os primeiros a lançar bases para ações de não violência e humor crítico a fim de provocar mudanças na sociedade. Lançaram as sementes do que logo depois viriam a ser outros movimentos revolucionários como os Merry Pranksters, Diggers e Yippies.
A primeira vez que o nome Provo apareceu foi numa dissertação de Doutorado realizado pelo sociólogo holandês Wouter Buikhuisen na Faculdade de Utrecht, em Janeiro de 1965.
Provo é a abreviatura de provocador- provocatie em holandês. O sociólogo se referia aos De Nozems, jovens holandeses proletários à deriva sem nenhuma orientação social, cuja principal atividade era provocar a policia por absoluta falta do que fazer, os " young trouble-makers".
Mas a movimentação Provos acontece algum tempo depois quase como peças de um quebra cabeça que ao longo de um período foram se juntando.
Seu principal protagonista foi Robert Jasper Grootveld.
Filho de pai anarquista cresceu ouvindo os alertas do pai sobre os inimigos do homem: KKKKK (Kerk=igreja; K= o capital; Kroeg= o bar; Kazerne= a caserna; Kommenie= uma importante fabrica holandesa). Por causa disso “desenvolveu uma profunda consciência social e uma impossibilidade de ser normal” (Guarnacci, Matteo).
A primeira ação de Grootveld acontece no começo dos anos 60, depois de uma súbita iluminação: fumante inveterado ele se dá conta do absurdo da indústria tabagista que incentiva o consumo do cigarro através da propaganda com apelos bonitos, mas faz mal á saúde provoca câncer. Começa uma campanha anti fumo. Pára de comprar cigarros e só fuma cigarros dos outros, pedindo o tempo todo a fim de “acabar com os estoques”. Através disso ele se expõe como um problema para ser visto pelas pessoas como tal.

“Não vou ficar contando-lhes que parei de fumar, e não pretendo que vocês façam isso. Não! Ao me expor coloco vocês diante do problema, eu sou o problema”.

Sua missão era combater a imoralidade da indústria tabagista abençoada pelo Estado. Começa a escrever com tinta preta sobre todos os cartazes publicitários de cigarros espalhados pela cidade a palavra Kanker (câncer) ou a letra K. Logo é imitado por outros anônimos que fazem o mesmo.
É processado e detido por 60 dias. Mas logo que sai da prisão recomeça o trabalho e é preso novamente. Ao sair da prisão pela segunda vez percebe que se tornou uma espécie de celebridade que aparece nas mesmas páginas dos jornais que cobram das indústrias milhões pra anunciar seus cigarros. A partir de então seus instintos exibicionistas crescem na medida de suas ações. Veste-se excentricamente de dandi e feiticeiro africano fazendo performances extravagantes pela cidade.



Faz rituais malucos onde exorciza os poderes da indústria e do Estado, o conformismo generalizado, a monarquia e a sociedade consumista. Suas ações tem a sátira e o humor ácido como base. Cada vez ganha mais adeptos e sua fama se espalha pela cidade.


«Não podemos convencer as massas, e nem é isso que nos interessa. O que podemos, realmente, esperar desse bando de apáticos…? É mais fácil o sol surgir no Oeste do que eclodir uma revolução nos Países Baixos.
Somos Provo…, mas, então, porquê? Não é certamente para nos entediarmos. Nem fazemos provocações por falta de paz. Porquê, então? Porque este mundo está cheio e atolado de exércitos, Estados, polícias, espiões, cavalos de batalha, muros de vergonha, bases de mísseis, rampas de lançamento, quartéis, mortos de fome, histeria religiosa, burocracia e campos de extermínio…Nós não somos tão ingénuos a ponto de acreditar que possamos transformar este mundo, num piscar de olhos, num lugar ideal(…) Posto isto sempre diremos: nunca transfiram para outros o vosso poder.»


Grootveld numa de suas exibições na praça Spui em Amsterdam

O Plano das Bicicletas Brancas.


Cada pessoa doava sua bicicleta a fim de transformá-la numa espécie de bem coletivo. Eram então pintadas de branco. O negócio funcionava assim: logo depois de se utilizar de uma delas o usuário deveria deixá-la a disposição para o seguinte e assim sucessivamente, até existirem tantas bicicletas que estas se tornariam o principal meio de transporte e melhor ainda, grátis. O plano foi devidamente apresentado a prefeitura como alternativa ao uso indiscriminado do carro. E devidamente desconsiderado.
A idéia era uma provocação a propriedade privada capitalista mas também um modo ecológico de manter a cidade a salvo da poluição provocada pelo monóxido de carbono proveniente dos carros (muito tempo antes da palavra e atitude entrar nas rodas de discussão).
As ações aumentam e a policia entra em ação a fim de manter a ordem.
Cada vez que tenta enfrentar a troupe com cassetetes é recebida com gracejos e risadas. O grupo se junta e se desfaz rapidamente deixando os policiais feito baratas tontas. Estes caem em descrédito total junto à população.
*a escolha da cor branca se deve que as ações provo aconteciam sempre á noite portanto o branco se tronava mais visível.


 
 
“Tais bicicletas brancas pertecerão a todos e a ninguém. Desse modo, o problema do trânsito no centro da cidade poderá ser resolvido ao cabo de poucos anos. Como primeiro passo para alcanças a cota de 20 mil bicicletas brancas ao ano, Provo oferece aos voluntários a oportunidade de ter as próprias bicicletas pintada de branco, apresentando-se á meia noite na Spui.”


Sempre á frente de seu tempo os provos continuavam lançando idéias e abordando temas considerados tabus para a Holanda puritana da época. Formaram comunidades, defendiam a liberdade sexual em todos os aspectos, heterossexuais, homossexuais, prostituição, venda de preservativos a baixo custo, luta pelos direitos humanos contra os ditadores Franco(Espanha) e Salazar(Portugal), protestos contra a guerra do Vietnã, o Plano das Mulheres Brancas, Plano das Chaminés Brancas.
Seus rastros se espalharam feito pólvora por toda a Holanda e por vários países mundo afora. A revista provo que no início tinha uma publicação de 500 cópias passou para 20 mil cópias na sua última edição.
Os Provos fizeram algo realmente novo e criativo na história, foram muito além de seu tempo. Lançaram as sementes do que seria mais tarde conhecido como contracultura. Usaram como arma a inteligência e imaginação entendendo a força da imagem, da propaganda, da sociedade do espetáculo, muito tempo antes desses temas se tornarem aplamente divulgados e conhecidos. Deixaram aos jovens um legado mais do que atrevido, ensinaram como questionar o poder e não ser subserviente ao controle de forças que até hoje dominam o planeta.

“PROVO é uma folha mensal para anarquistas, provos, beatnicks, noctâmbulos, amoladores, malandros, simples simoníacos estilistas, magos, pacifistas, comedores de batatinhas fritas, charlatães, filósofos, portadores de germes, moços de estribarias reais, exibicionistas, vegetarianos, assistentes do assistente, gente que se coça e sifilíticos, polícia secreta e toda a ralé deste tipo.
PROVO é alguma coisa contra o capitalismo, o comunismo, o fascismo, a burocracia, o militarismo, o profissionalismo, o dogmatismo e o autoritarismo.
PROVO deve escolher entre uma resistência desesperada e uma extinção submissa.
PROVO incita à resistência onde quer que seja possívelPROVO tem consciência de que no final perderá, mas não pode deixar escapar a ocasião de cumprir ao menos pela quinquagésima e sincera tentativa de provocar a sociedade.
PROVO considera a anarquia como uma fonte de inspiração para a resistênciaPROVO PROVOquer devolver vida à anarquia e dá-la a conhecer aos jovens
PROVO É UMA IMAGEM”

*Crédito da fotos: todas as fotos foram emprestadas da Internet
*FONTE DE PESQUISA, LIVRO: PROVOS, Amsterdam e o Nascimento da Contracultura. Guarnaccia, Matteo. Ed. Conrad;Coleção Baderna

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